A diretora-presidente da Companhia Docas do Ceará afirma que é necessário estimular as meninas a olharem as possibilidades do setor
SAMUEL PIMENTEL
A trajetória da engenheira pós-graduada em Logística Empresarial e mestranda em Logística e Gestão Portuária Mayhara Chaves no setor de portos vem sendo de seguidas barreiras rompidas. Mais jovem diretora da Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa), parte da equipe que trabalhou na formulação técnica do texto da Lei dos Portos e atual diretora-presidente da Companhia Docas do Ceará (CDC), Mayhara é, aos 36 anos, a única mulher presidente em portos federais no Brasil. Em setor caracterizado por gestores do sexo masculino e perfil mais experiente, Mayhara vem quebrando paradigmas. Ela conta que ser minoria já é realidade desde a universidade, quando na turma de 60 alunos, apenas dez eram mulheres.
Ao O POVO, ela afirma que o diferencial a seu favor na sua caminhada profissional tem sido sua preocupação constante em continuar sua formação profissional. Ela diz que estar muito preparada para as funções que assume são inibidores dos questionamentos sobre uma quebra de perfis no setor portuário. Hoje Mayhara superou as barreiras, está realizando trabalho histórico no Porto de Fortaleza, com resultado anual quase três vezes melhor do que média dos portos públicos em 2020 e trabalho reconhecido pelo ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas.
Sobre o sucesso, Mayhara espera que sirva de motivação para que mais jovens mulheres se animem e adentrem em mercados que até em então são dominados por homens e que a habilidade feminina é questionada. “Eu procuro mostrar o meu desempenho e as atividades que fazemos no Porto de Fortaleza para incentivar que as mulheres busquem os seus sonhos e espero que isso aumente a quantidade de mulheres em cargos de gestão.”
O POVO - Como foi o início da sua trajetória desde os estudos no Espírito Santo, até chegar ao setor de portos?
Mayhara Chaves - Sou formada em engenharia de produção e desde a época da faculdade procurei fazer estágios em diversas áreas. Eu gostei muito da área de logística e meu último estágio foi numa companhia de gás em que eu trabalhava na área logística e lá fui contratada. Então, a minha história na logística começou na universidade mesmo. A partir daí comecei a trabalhar em empresas privadas de logística e engenharia de produção. Depois comecei uma pós-graduação em Logística Empresarial, logo na sequência do término da faculdade. Com o networking, conheci um professor de Brasília que me indicou e recebi um convite para trabalhar na Secretaria de Portos, em 2010. E foi no mês de maio daquele ano que fui trabalhar em Brasília e foi aí que começou a minha carreira no setor portuário, especificamente. Ainda em 2010, participei do projeto do Plano Nacional de Logística Portuária, também fiz uma especialização fora do País em Logística Portuária, no Porto da Antuérpia, na Bélgica, e continuei me desenvolvendo na secretaria. Lá participei de vários projetos, dentre eles da construção da MP 595, que é a legislação que deu origem à Lei de Portos em 2013. Lá em Brasília conheci muita gente e foi assim que recebi o convite para retornar ao meu estado natal, o Espírito Santo, em 2013, para trabalhar na Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Estado, como subsecretária de Comércio Exterior, cuidando dos projetos portuários. Ainda fiz uma segunda especialização enquanto estava no governo do estado, em Gestão Portuária, no Porto de Roterdã, na Holanda, e, no fim de 2015, após quase três anos de governo, recebi o convite para ser diretora de Planejamento e Desenvolvimento da Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa). Neste momento deixei uma equipe de três pessoas para comandar uma equipe com mais de 30. Logo depois iniciei o MBA em Gerenciamento de Projetos e essa formação me deu uma visão mais estratégica das coisas, mais organização das atividades, com uma visão mais global de toda situação.
Fiquei aproximadamente três anos como diretora e fiquei grávida, saí do porto, passei um tempo fora, me dedicando à vida materna. Em 2019, quando meu filho estava próximo de completar um ano, recebi o convite para vir ao Ceará para ser diretora-presidente da Companhia Docas do Ceará (CDC).
OP - Como foi sua reação de receber um convite de tamanha importância?
Mayhara - Foi uma surpresa grande, apesar da experiência que já tinha no setor portuário, os presidentes de portos - desde a época da secretaria onde eram todos homens os presidentes - são, normalmente, pessoas mais velhas. Então quando recebi o convite senti um receio. Está sendo um desafio grande, mas muito construtivo, e acho que estou conseguindo administrar muito bem. Mais recentemente, em outubro passado, iniciei o mestrado de Gestão e Logística Portuária, pela Politécnica de Valência numa parceria com o Porto de Valência, na Espanha. É um mestrado que é basicamente online por conta da pandemia.
OP - Como foi o desafio de sair do Espírito Santo e vir ao Ceará com a família?
Mayhara - A receptividade do cearense é maravilhosa. O povo recebe muito bem, fui muito bem acolhida, hoje me sinto em casa. Meu esposo, meu filho e eu estamos muito bem adaptados. Meu esposo até fala que não sairemos daqui nunca mais.
Já vivíamos em cidade de praia, que é Vila Velha, e a recepção foi muito positiva também no porto, com os funcionários e colegas diretores.
OP - Essa preocupação de estar sempre estudando e complementando sua formação foi um diferencial para alcançar os cargos? Você sentiu alguma cobrança ou concorrência a mais pelo fato de ser mulher em um setor dominado por homens?
Mayhara - Cobrança a mais, não. Mas é preciso um diferencial grande, com certeza. Quando você entra numa disputa para um cargo de diretor-presidente de uma companhia docas, além da experiência, toda trajetória acadêmica conta muitos pontos. A própria legislação hoje nos faz questionamentos e um deles é apresentar notório conhecimento do tema. Então, o conhecimento obtido não só na prática - que é muito importante, claro -, mas a teoria e a prática alinhada dá um diferencial muito grande. Não acredito que por ser mulher passei a ser mais cobrada e precisei de um diferencial a mais, mas isso é relevante, principalmente no momento dos questionamentos por parte de algumas pessoas que dizem “por que trouxeram uma mulher de outro estado?”. Então a formação gera um respaldo maior na nomeação ao cargo também. Hoje sou a única presidente de companhia Docas no Brasil, mas sou a quarta mulher a presidir o Porto de Fortaleza. Somente o Porto de Fortaleza entre os portos federais já teve mulheres na gestão.
OP - Qual o caminho a ser seguido para que exista maior igualdade de colocação no setor portuário? E nos cargos de gestão?
Mayhara - Temos uma trilha a caminhar, temos um mercado ainda muito masculinizado. Isso acontece por conta do histórico em que as mulheres evitam engenharia, evitam essas formações mais pesadas, vamos dizer assim, de serviços mais masculinizados, até por medo mesmo de não conseguir uma ocupação. E precisamos mudar isso lá no início da cadeia. Quando entrei na faculdade, por exemplo, a minha turma tinha cerca de 60 pessoas e dez eram mulheres. Lutamos tanto por igualdade, mas a quantidade ainda é muito pequena para que isso aconteça. Temos que começar a plantar uma semente entre as moças, ainda na adolescência, para mostrar que existem ramos que elas podem atuar e que nada é impeditivo em nenhuma fase. A carência que temos hoje na estatística de mulheres que fazem parte de cursos como Engenharia, Economia, cursos tipicamente de gestores portuários são poucas, por consequência temos poucas mulheres se destacando no setor portuário.
Mas posso destacar que as mulheres que fazem parte do setor de infraestrutura são muito bem qualificadas, buscam mais conhecimentos e acho que isso é típico da mulher, querer sempre se aprimorar e se desenvolver na sua função.
OP - Com a sua chegada ao comando do Porto de Fortaleza teve uma diferenciação
de mulheres ocupando cargos ou um processo de inclusão?
Mayhara - O nosso atual é de 110 colaboradores, são 31 mulheres. Dessas mulheres, 87% têm, no mínimo, graduação. E, entre os homens, apesar de serem a maioria dos funcionários, esse mesmo recorte é de 43% com formação superior. O número de mulheres trabalhando no Porto de Fortaleza está em crescimento e os homens até brincam com essa situação se seremos o porto mais feminino. Quando assumi, realmente havia mais homens nas coordenações, mas até pelo destaque que as mulheres tiveram acabamos realizando substituições, não pela falta de capacidade dos homens, mas pelo melhor destaque das mulheres. Então algumas mulheres se tornaram coordenadoras após a minha chegada aqui. Mas não tenho distinções entre homens e mulheres, faço entrevistas mirando o profissional, aquele que se destaca mais será aquele que melhor se adequa àquele cargo e, felizmente, as mulheres têm conseguido êxito, tanto pela dedicação e organização, quanto pela formação acadêmica.
OP - O Porto de Fortaleza foi o principal destaque entre os portos públicos nacionais, com menções importantes do Governo Federal sobre a boa gestão em quase dois anos. Como vê esse sucesso profissional sendo uma jovem executiva em um mercado lotado de homens mais velhos...
Mayhara - Cheguei ao Porto de Fortaleza com 35 anos. Vou contar uma história engraçada de quando entrei na Codesa, com 30 anos. Lá tinha um profissional que queria ser o diretor mais jovem da história do porto aos 30 anos. Ele foi diretor, mas um pouco depois de mim. E um dia ele me disse: “Poxa, você estragou meu sonho”. E eu respondi: “Não, amigo. Você foi o diretor mais novo com 31 e eu a mais nova aos 30”. Mas hoje, de mulher nos portos, sou a mais jovem entre os presidentes. Hoje também sou presidente desde maio de 2020, da Associação Brasileira de Entidades Portuárias Hidroviárias (Adeph) - Mayhara é a primeira presidente em 63 anos de associação mais antiga do Brasil no setor de portos -, e, desde janeiro de 2021, sou presidente do Conselho Feminino do Fórum Brasil Export - Mayhara é a primeira presidente do recém-lançado conselho. Todas são atividades não remuneradas. Acho que junção de sucesso na administração, fechando 2020 com números de movimentação de quase o triplo da média nacional, e vitalidade de ser profissional e cuidar de filho pequeno em casa. Por conta dessas ações me considero uma mulher que gosta de se arriscar, não tenho medo das coisas e analiso muito bem a situação, mas sou uma mulher que gosta de desafios, gosto quando conseguimos resolver e isso me move bastante. E nada disso seria possível se eu não tivesse uma equipe maravilhosa, estou cercada de pessoas em quem confio plenamente.
OP - Como você se enxerga daqui a alguns anos?
Mayhara - Espero continuar no setor de portos, não sei se aqui ou em outro estado, num porto público ou privado, mas meu desejo é continuar trabalhando em portos nos próximos 20, 30 anos. Talvez não somente no cargo de presidente, pois também precisamos descansar um pouco a cabeça, mas eu me vejo trabalhando sempre nesse segmento que eu amo fazer.
OP - E como espera que aconteça a maior inclusão de mulheres neste mercado?
Mayhara - Eu tenho feito a minha conta do Linkedin muito ativa e onde eu procuro mostrar o meu desempenho e as atividades que fazemos no Porto de Fortaleza para incentivar que as mulheres busquem os seus sonhos e espero que isso aumente a quantidade de mulheres em cargos de gestão, seja na área de infraestrutura, médica, contábil, ou qual for. Precisamos estimular as mulheres a estudarem e se desafiarem a entrar nesses ramos. Hoje temos mulheres no porto que exercem tarefas que antes eram vistas como masculinas com total qualidade e igualdade. Vejo as mulheres muito capazes e procuro incentivar as mulheres mais novas, recebo muitas mensagens na rede social me perguntando e procuro sempre dar atenção às moças e meninas que querem iniciar uma carreira na área de infraestrutura.
Fonte: O Povo (Aguanambi 282)
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